Era a madrugada de um sábado de Carnaval, 21 de fevereiro de 2004, quando a alegria que pulsava em direção a Salvador foi tragicamente interrompida no sertão cearense. Um ônibus da Viação Itapemirim, que havia partido de Fortaleza com 42 pessoas a bordo, incluindo crianças, mulheres e homens, muitos sonhando com a folia baiana, mergulhou nas águas escuras do Açude Cipó, no município de Barro. O veículo, que percorria a BR-116, perdeu o controle em uma curva no quilômetro 456, desaparecendo sob a superfície do açude, que na época, devido às chuvas, atingia nove metros de profundidade. Ninguém sobreviveu. Aquele que deveria ser um fim de semana de festa transformou-se em um dos capítulos mais sombrios da história recente do Ceará, deixando um rastro de dor, luto e perguntas que ecoam até hoje, vinte anos depois da tragédia que ceifou 42 vidas.
O acidente ocorreu por volta das 4h30 da manhã, um horário em que a visibilidade na estrada já é naturalmente reduzida. O ônibus da Itapemirim seguia seu trajeto pela BR-116, uma das principais rodovias do país, rumo a Salvador. Ao se aproximar do quilômetro 456, já no município de Barro, na região do Cariri cearense, algo deu terrivelmente errado. Em uma curva, o motorista perdeu o controle do veículo, que saiu da pista e caiu diretamente nas águas do Açude Cipó. As causas exatas que levaram à perda de controle permanecem um mistério não totalmente esclarecido; especula-se sobre erro humano ou falha mecânica, enquanto a Viação Itapemirim, em processos judiciais posteriores, alegou que as más condições da pista, com buracos, teriam contribuído para o sinistro (Ônibus & Transporte).

A situação foi agravada por fatores cruéis. O açude estava cheio, com cerca de nove metros de profundidade, o que fez com que o ônibus ficasse completamente submerso rapidamente. Além disso, as janelas do veículo estavam vedadas, uma prática comum em ônibus com ar-condicionado, mas que se tornou uma armadilha mortal, impedindo ou dificultando severamente qualquer tentativa de fuga dos passageiros presos (G1 Ceará; Ônibus & Transporte). A escuridão da madrugada e a localização remota dificultaram o socorro imediato.
O alerta inicial partiu de um feirante que viajava atrás do ônibus e presenciou a queda, conforme relatou o comerciante Marcos Trigueiro, que tinha 21 anos na época e foi um dos primeiros a chegar ao local e acionar as autoridades (G1 Ceará). A primeira equipe de resgate a chegar foi a do Corpo de Bombeiros de Iguatu, comandada pelo então Capitão Valdyano Rodrigues, hoje Tenente-Coronel e comandante do 5º Batalhão de Bombeiros do Cariri. “Ao chegar no local a gente não se deparou com absolutamente nada, ou seja, o ônibus estava completamente submerso”, relembrou Rodrigues em entrevista ao G1 Ceará. Foram necessários mergulhos para confirmar a presença do veículo e a dimensão da tragédia.
A operação de resgate foi complexa e dolorosa, estendendo-se por dois longos dias e mobilizando equipes de bombeiros de diversas cidades, incluindo Crato, Juazeiro do Norte e a capital, Fortaleza. A BR-116 precisou ser interditada durante os trabalhos. A esperança inicial de encontrar sobreviventes logo deu lugar à constatação sombria: todos os 42 ocupantes – 29 homens (um deles estrangeiro), 11 mulheres e 2 crianças – haviam morrido afogados (G1 Ceará; Ônibus & Transporte). O Tenente-Coronel Rodrigues descreveu o impacto emocional da operação: “O que mais chocou foi porque a gente não imaginava que tinha naquele ônibus tanta gente. E falando da operação em si, o que chocou tanto a gente também é que tinha criança, a gente resgatou pessoas onde estavam agarrados com seus filhos, seus entes queridos na possibilidade de salvar” (G1 Ceará).
A tragédia no Açude Cipó abalou profundamente a cidade de Barro e toda a região do Cariri. Em respeito às vítimas e suas famílias, a prefeitura decretou luto oficial de três dias e cancelou as festividades de Carnaval daquele ano, substituindo a folia por um clima de consternação e pesar (G1 Ceará). A dor da perda se estendeu muito além do município, marcando famílias inteiras que viram seus entes queridos partirem em uma viagem sem volta.

Com o passar dos anos, a memória do acidente persiste. Um pequeno memorial foi erguido às margens da BR-116, próximo ao local da tragédia. Embora o tempo tenha deixado marcas na estrutura, hoje deteriorada, o local ainda serve como ponto de reflexão e homenagem. “[Muita gente] acende velas, aí tem épocas que passam familiares aqui na estrada, param, fazem a parte deles, oram”, contou o agricultor Francisco Saraiva ao G1 Ceará em 2024, vinte anos após o ocorrido. A lembrança dolorosa também acompanha os profissionais que atuaram no resgate. “Uma memória bastante triste, até mesmo porque o nosso objetivo de bombeiros é salvar vidas e não resgatar vidas”, lamentou o Tenente-Coronel Valdyano Rodrigues (G1 Ceará).
Além do luto e da memória, o acidente gerou consequências legais. Familiares das vítimas buscaram reparação na justiça. Em novembro de 2017, por exemplo, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) condenou a Viação Itapemirim a pagar R$ 100 mil por danos morais e mais de R$ 43 mil por danos materiais ao filho de uma das passageiras falecidas. A empresa havia inicialmente oferecido valores consideravelmente menores, que foram rejeitados pela família (Ônibus & Transporte). A Itapemirim, em sua defesa, argumentou sobre as más condições da rodovia, tentando atribuir responsabilidade ao poder público (Ônibus & Transporte).
21 anos depois, a tragédia de Barro continua sendo um doloroso lembrete sobre a fragilidade da vida e a importância da segurança no transporte rodoviário. As 42 vidas perdidas no Açude Cipó representam mais do que números; são histórias interrompidas, sonhos desfeitos e famílias marcadas para sempre. Embora a causa exata do acidente permaneça envolta em incertezas, a memória das vítimas e a dor de seus familiares ecoam como um chamado à reflexão e à busca constante por melhores condições nas estradas e maior segurança para todos os viajantes.
Fontes: G1 Ceará (TV Verdes Mares) e Ônibus & Transporte

João Emanuel
Fundador da Rádio Cruzeiro do Brasil
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